quarta-feira, 28 de setembro de 2011

A Estância





"Estância" quer dizer "lugar de estar", como as estâncias hidrominerais, tão populares, hoje. Mas é também o lugar onde se cria gado para vender, ou seja, trata-se de uma empresa comercial.
Foi o padre jesuíta quem criou a estância gaúcha. Preocupado com a crise de fome que assolava os Povos, em 1634 o Padre Cristóbal de Mendonza trouxe mil cabeças vacuns desde a Argentina, gado esse que foi distribuído em "estâncias" para o abastecimento dos Povos. Alguns ficavam distantes das Missões, como a de Santa Tecla, hoje no município de Bagé. Para cuidar das estâncias, os jesuítas treinaram a cavalo índios "vaqueros", que logo iriam se somar aquele denso caldo humano do qual vai brotar o Gaúcho.
Expulsos os jesuítas, muito gado ficou por aqui e o branco - espanhol ou português - foi se adonando de tudo, organizando as suas próprias estâncias. E já registrando "marca" (que era enorme) e "sinal" (cortes específicos nas orelhas dos animais), como persiste até hoje.
Essas primeiras estâncias tinham como limites os meramente naturais - rios, montes, matos - mas cada um sabia o que era seu e até uma ninhada de tatus assinalados era respeitada escrupulosamente pelos vizinhos... Ademais, os jesuítas muitas vezes mandavam os índios escavar extensos valos, para delimitar áreas de campo, como os que existem ainda hoje na estância Guabijutujá, em Tupanciretã. Depois, com os escravos, vieram as cercas de pedra, existentes ainda hoje, que os serranos chamam de "taipa". Na metade do século XIX aparece a cerca de arame, fazendo a divisa de potreiros, invernadas e postos.
A estância gaúcha tradicional se compõe das Casas, onde mora o proprietário com sua família, em cujos cômodos gente estranha não põe os pés, a não ser a criadagem "de dentro". O galpão, ou galpões, é exclusividade da peonada, onde cada peão em o seu catre, tarimba ou cama (hoje em dia, beliche) e aonde sempre arde um fogo-de-chão para a roda do mate ou algum churrasquito meio galopeado, quem sabe até de charque. O galpão é um reduto masculino. Mulheres que nasceram e se criaram nas Casas da estância morrem de velhas sem conhecer o interior do galpão...
A Casa do Capataz é onde este vive com a família, a meio termo entre as Casas da estância e os galpões. As mangueiras, que podem ser de pedra, de arame, de tábua ou de varejão (troncos) e que incluem a mangueira grande, o curro (ou seringa), o tronco e os bretes, são os currais para encerrar o gado em determinados trabalhos. E, quase sempre, o banheiro, que é grande para o gado (vacuns) e pequeno para o rebanho (ovinos), onde se banham os animais com remédios contra a sarna, o carrapato, etc...
Junto as Casas, o potreiro da frente, quase sempre despovoado de animais. Atrás do galpão, o piquete, onde se soltam os animais de trabalho ou do "munício" (os que vão ser abatidos para o consumo da estância). Depois, as invernadas, quase todas com nome: Invernada da Tapera, do Coqueiro, do Cerro, doValo. Nessas invernadas se cuida do gado e numa delas está o parador do rodeio, ponto de reunião da animalada para trabalhos especiais, como aparte e coisas assim.
Longe das Casas, os postos, que só existem nas estâncias grandes. São o que o nome diz, cuidados por um Posteiro, que mora num rancho com a família. Junto aos matos, ou rio, vive algum Agregado, gente amiga do proprietário que obteve licença para erguer um rancho nos campos deste e tem alguma vaquinha de leite, uma hortinha, galinhas e porcos.
Hortas e lavouras não são comuns, ou fartas, na estância. O gaúcho sempre foi um comedor de carne. Planta, quando muito, alguma batata-doce, milho, abóbora e melancia. E só.
O pessoal da estância é o Patrão (e sua família), a gente das Casas (a criadagem, inclusive a cozinheira), o Capataz (e sua família), a peonada, os posteiros e agregados. De primeiro havia também o Maiodormo (administrador) e o Sota-Capataz (logo abaixo do capataz na hierarquia campeira).
Há trabalhadores especializados que a estância tem ou não. Muitas vezes suas tarefas são deferidas à peonada. São eles: carreteiro, domador, alambrador, tropeiro, peão caseiro ou peão patieiro, poceiro, compositor, carroceiro, lavoureiro, chacareiro, guasqueiro ou trançador. Quando não há alguém habilitado para esses trabalhos, na estância, chama-se alguém. O peão comum é o mensual e o contratado por jornada é o "peão por dia".

Fonte: "Curso de tradicionalismo gaúcho", de Antonio Augusto Fagundes. Martins Livreiro Editor. 1995.
http://www.paginadogaucho.com.br/coti/est.htm

Um comentário:

  1. Excelente texto. Sou um gaúcho que ama as tradições e se orgulha dessa terra. Conhecer mais detalhes de nossa história e cultura é sempre um prazer.
    Um forte quebra costelas.

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